A felicidade, segundo o filósofo Mario Sergio Cortella
Cortella fala por que
a busca de realização deve ser pensada como uma prova de longa duração, e não
uma corrida de 100 metros
Alice Sosnowski / Raul Junior / VOCÊ S/A
Cortella: "A
felicidade é uma ocorrência eventual"
Filósofo, escritor e
professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mario
Sergio Cortella tornou-se uma figura requisitada em grandes empresas por
conseguir traduzir com clareza assuntos como ética, moral e liderança.
Um depoimento de Cortella poderá ser visto no documentário Eu Maior,
filme sobre conhecimento pessoal e felicidade que entrevistou 25
personalidades, entre eles o psiquiatra Flávio Gikovate, o surfista Carlos
Burle e a ex-ministra Marina Silva.
Em seu livro mais
recente, Vida e Carreira — Um Equilíbrio Possível?, lançado em 2011 em parceria
com o consultor Pedro Mandelli, Cortella discorre sobre o sonho de conciliar a
vida pessoal com uma carreira bem-sucedida. Felicidade e vida equilibrada
também são os temas da entrevista a seguir.
VOCÊ S /A - A
felicidade sempre foi o ideal do ser humano. É possível encontrá-la no
trabalho?
Mario Sergio Cortella
- É importante saber o que realmente significa a felicidade. Ela é uma
vibração intensa, uma sensação de vitalidade que nos atinge e dá um gosto
imenso por estarmos vivos. Mas a felicidade é episódica, uma ocorrência
eventual. A vida é carregada por momentos de turbulência.
Ninguém pode ser
feliz o tempo todo. Isso seria uma insanidade e poderia gerar um stress na nossa
capacidade mental. Por isso, há momentos em que a felicidade pode ser
favorecida, como no local de trabalho ou na carreira, por exemplo. Se para
algumas pessoas ela representa o acúmulo de bens materiais, para outras é o
reconhecimento por algo que se está fazendo. Receber elogios de um cliente ou
do chefe, nesse sentido, proporciona uma vibração momentânea de alto
nível.
VOCÊ S /A
- Então precisamos de reconhecimento para sermos felizes?
Mario Sergio Cortella
- Reconhecimento é uma das maneiras mais usuais de obtenção de felicidade
no trabalho. Nós nos conhecemos de maneira subjetiva. Lembre-se de que o
espelho nos mostra de forma invertida. Por isso, necessitamos das outras
pessoas, sim. Quando o reconhecimento é externalizado, a sensação de felicidade
é intensa.
É o que experimenta
um músico quando a plateia o aplaude. Ou um executivo, com o aumento da
lucratividade da empresa. No mundo do trabalho, a felicidade é produzida pelo
reconhecimento. E ele pode ser financeiro ou vir por meio de um agradecimento.
VOCÊ S /A - De que forma o senhor percebe a busca dos mais jovens
pela realização profissional?
Mario Sergio Cortella
- Eu nasci em meados da década de 1950. Minha geração buscou
essencialmente a estabilidade como meta. O emprego estável era o que mais
oferecia essa condição. Já as novas gerações procuram experiências. Elas querem
fazer da vida uma possibilidade de experimentar várias coisas. A atual geração
vive a agitação, que significa velocidade, instantaneidade, simultaneidade e
mobilidade.
VOCÊ S /A - Essa
busca por experiência não leva à superficialidade?
Mario Sergio Cortella
- Sim. Infelizmente, muitos estão em busca da euforia, que é algo que
desaparece rapidamente. Felicidade é muito mais denso do que isso. As novas
tecnologias ofereceram não apenas velocidade ao mundo, mas também pressa. E não
se pode confundir velocidade com pressa.
Fazer algo velozmente
é sinal de perícia. Mas fazer apressadamente é sinal de descontrole. Isso tudo
gera um descompasso muito sério, porque a vida é maratona, e não uma disputa de
100 metros rasos. Na maratona, há momentos para acelerar e para reduzir. É necessário
tirar vantagem da velocidade, e não da pressa.
VOCÊ S /A - Mas
como transportar isso para o mundo do trabalho, onde tudo é instantâneo?
Mario Sergio Cortella
- Vivemos uma realidade multifacetada e, por isso, temos que aproveitar
essa simultaneidade das gerações e dos tempos. Eu, às vezes, caminhando pela
rua, tenho a impressão de que estou nos anos 70, um quarteirão adiante estou
nos anos 80 ou 90. As pessoas mesclaram essa multiplicidade na moda, no mercado
e no trabalho. Precisamos ter consciência disso e tirar proveito do conjunto de
habilidades que cada geração conseguiu desenvolver.
Unir o senso de
urgência dos mais jovens com a experiência dos profissionais com mais idade é
benéfico. Claro que isso exige humildade intelectual e também capacidade de
lidar com a diversidade. É como uma orquestra: a beleza está na harmonia do
conjunto. Pensar as empresas como uma orquestra ajuda bastante.
VOCÊ S /A
- Capacidade de inovação vale para a carreira de um profissional também?
Mario Sergio Cortella
- Sempre que alguém me pede um conselho de carreira, eu lembro de uma
frase do Chico Xavier. Ele dizia: "Embora ninguém possa voltar atrás e
fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim".
O profissional tem
que prestar atenção nisso. Acredito que a reinvenção contínua é aquela que
projeta algo que seja mais do que a mera repetição do que já se tem. Uma
carreira fértil é aquela que inova, que traz para o presente aquilo que
realmente tem importância e descarta o que envelheceu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário