segunda-feira, 29 de abril de 2013



POR QUE AS EMPRESAS SÃO TÃO MEDROSAS?


MUITOS EXECUTIVOS ACREDITAM QUE AS ESTRATÉGIAS CONVENCIONAIS SÃO AS MAIS SEGURAS. BOBAGEM. AO OPTAR PELA MESMICE, ELES SÓ TOLHEM A CRIATIVIDADE E A INOVAÇÃO NOS NEGÓCIOS


Reprodução (Foto: Ilustração: Berje)
Depois de 15 anos como diretor de atendimento e outros seis administrando operações complexas em agências de publicidade, posso dizer que aprendi bastante sobre um assunto indigesto: o medo. No mundo corporativo, continuo me assustando com o efeito devastador que esse sentimento irradia. Na indústria da comunicação, então, nem se fala. Sustentado por uma lógica tosca, ele tolhe a criatividade e a inovação nas empresas.  
Não tenho estudos quantitativos, mas estimo que entre 80% e 90% dos trabalhos publicitários que chegam ao público não são as melhores peças produzidas pelas agências. As melhores, simplesmente, morrem no caminho. Por medo. Grande parte dos executivos procura o conforto do conhecido em vez de tentar algo novo. Cito a publicidade, pois esse é o meu território. Mas acredito que a mortalidade de boas ideias alcance índices semelhantes em outros setores da atividade econômica.
Vista da superfície, essa atitude temerosa parece ter um lastro lógico. Em tese, ela está balizada em atitudes precavidas e conservadoras. Todas tentam minimizar o risco para as empresas. Mas creio que o pavor pela novidade só pode ser definido como tolo. É inócuo procurar a segurança em soluções batidas e padronizadas, especialmente no cenário competitivo que se firmou em todo o planeta nos últimos dez ou 15 anos. Aliás, eis uma das poucas coisas certas no atual mundo corporativo: apelar para soluções “comprovadas” é a melhor forma de fracassar. O sucesso, hoje, passa pela capacidade de correr riscos e inovar.  
Algumas agências contribuem com a mesmice na publicidade.   Elas   (Foto: Ilustração: Berje)
Show de horrores
Vamos retomar esse assunto, mas, antes, eu gostaria de descrever um estudo científico que conheci na faculdade. Esse trabalho me fez entender – e repensar – o meu comportamento diante de situações cotidianas. Trata-se de uma digressão um tanto longa, mas valiosa. 
Em julho de 1961, o psicólogo social Stanley Milgram, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, convocou voluntários para participar de um estudo sobre aprendizagem e memória. Os participantes foram divididos em dois grupos: os “professores” (formado pelos voluntários) e os “alunos” (na verdade, assistentes de Milgram, infiltrados na turma).
Os alunos eram amarrados a uma cadeira, dentro de uma cabine. Os professores sentavam-se diante de um painel de controle. Dali, eles não viam os alunos. Só os ouviam. E o show começava.
A missão do professor era ajudar o aluno a memorizar uma lista de palavras. Como estímulo, a cada falha do aluno, o professor precisava puni-lo com um choque elétrico. No início, a carga era branda. A cada erro, porém, eram acrescidos 15 volts de castigo, até o limite de 450 volts (uma tremenda paulada).
Nesse processo, os professores escutavam manifestações de dor. Elas começavam com um tímido “ai”. Depois progrediam, à medida que a carga de volts aumentava. Em alguns momentos, certos alunos alegavam que eram cardíacos. Outros gritavam e até esmurravam as paredes da cabine. Aos níveis extremos de choque, seguia-se um longo silêncio. Nada se ouvia. Era arrepiante.
Por trás de cada professor, havia um membro da equipe de Milgram, vestindo um jaleco branco. Se o professor manifestasse algum tipo de preocupação com o estado do aluno, os homens de branco pediam que continuasse. Para isso, usavam quatro frases, cuja ênfase avançava em um crescendo autoritário: “Por favor, continue”; “O experimento exige que você continue”; “É absolutamente essencial que você continue”; “Você não tem outra opção que não seja continuar”.
Quando cheguei ao Brasil, lutei por dois anos para manter viva uma campanha para o OMO, criada em 2001.   Em (Foto: Ilustração: Berje)

Conclusões chocantes
A história toda, felizmente para os alunos, não passava de uma encenação. A pesquisa de Milgram nada tinha a ver com aprendizagem e memória. Ele queria investigar como as pessoas reagem diante de uma autoridade. Os professores, portanto, não ouviam gritos reais dos alunos. Eram somente gravações. Reais – e estarrecedoras – foram as conclusões do estudo.
Milgram constatou que 65% dos voluntários continuavam com o experimento até o limite máximo de carga, os 450 volts. É bom frisar: a experiência ocorreu nos anos 60, no campus de Yale, no país-símbolo da democracia e da liberdade individual. O simples fato de ter alguém sobre os ombros, metido em um jaleco e pedindo que continuasse, levou seis em cada dez cidadãos comuns a torturar outros cidadãos comuns.
A pesquisa de Milgram me mostrou o quão destrutivos podemos nos tornar, apenas por medo de reagir a um comando. Traduzindo isso para o mundo corporativo, percebi que a forma como administramos o medo pode fazer uma monumental diferença na nossa capacidade de fazer algo novo e, como consequência, agregar valor.
Empresas sobrevivem a erros monumentais. Em 1985,  (Foto: Ilustração: Berje)
A recompensa certa
Impressiona-me a quantidade de palestras que realizamos atualmente sobre os mesmos temas: como reinventar a criatividade, como reter talentos nas empresas ou como lidar com novas realidades, como as mídias sociais. Acho todos esses assuntos relevantes, mas me questiono: vale a pena debater tendências futuras se hoje nem sequer conseguimos defender as nossas melhores ideias? O primeiro passo para construirmos o futuro é aprendermos a ter coragem no presente.   
O publicitário Frank Lowe gostava de inverter o raciocínio segundo o qual as soluções prontas são as mais seguras. Para ele, a mesmice é arriscada. Ela nos mantém pregados no mesmo lugar. Já o novo nos faz avançar. Eu não tenho dúvidas de que a busca por uma falsa sensação de segurança, associada a um excesso de racionalidade, adormece nossos instintos, mata o nosso talento e a nossa capacidade de inventar. Por isso, embora o talento seja importante, o crucial é evitar que ele adormeça. Temos de pensar em como alimentá-lo. E a melhor fonte de nutrientes nesse caso é a coragem.
A primeira coisa a fazer para vencer o medo é falar sobre ele. É preciso mostrar às pessoas o quanto elas estão se entregando a esse tipo de temor, em vez de combatê-lo. Em segundo lugar, é necessário refletir sobre o nosso sistema de recompensas. A psicologia do comportamento sabe muito bem que, se somos recompensados por executar uma tarefa, vamos executá-la novamente. Assim, se cultivamos o lugar-comum, receberemos mais lugares-comuns de volta. Se nos castigam por fazer outra coisa, vamos parar de fazê-la. Temos, então, de aprender a recompensar as ações corretas.
Muitos líderes não participam de decisões importantes de suas companhias. Os  (Foto: Ilustração: Berje)
Heróis destemidos
Quando aplicado à comunicação, o medo pode ser ainda mais surpreendente. Existe um temor desproporcional em relação às consequências de uma má comunicação. A verdade, nesse caso, é simples: o pior que pode acontecer a qualquer comunicação é ser ignorada. Nada além disso. É impossível que uma comunicação ruim destrua uma marca do dia para a noite. Assim, a má comunicação é inócua, enquanto a boa pode transformar um negócio. Como se vê, esse é o melhor dos mundos para fomentar novas ideias. Mas não é isso o que acontece. 
Um último ponto: as grandes ideias precisam de gente, indivíduos, campeões de criatividade. Elas não nascem em comitês. Não são amigas do sistema ou do processo. Não se dão bem com os grupos de discussão. Precisam de alguém que acredite nelas e as ajude a crescer e a prosperar. Necessitam de um herói que meta a faca entre os dentes e não se intimide caso alguém cruze o seu caminho.

Jesus teve a ideia de amar ao próximo. Ghandi, a ideia da não violência. Steve Jobs quis mudar o mundo pela Apple. Talvez isso pareça melodramático, mas da próxima vez que vocês forem a alguma palestra sobre criatividade, questionem: quem é o amigo das grandes ideias na minha empresa? É aí que reside a oportunidade de vencer o medo e, quem sabe, revelar um novo herói.

*Martin Montoya é presidente da W/McCann
Como espantar o bicho-papão (Foto: Ilustração: Berje)







Um comentário:

  1. Maravilhoso texto sobre uma realidade que creio demorar muitos anos para mudar por aqui, devido ao quase inexistente espírito de colaboração para com o próximo.

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